Organizações: Práticas de sujeição e iniciativas público/privadas de emancipação



Os textos compõem o ultimo bloco de seminários da matéria de Inovação e Sociedade, e tendo o seguinte título: Organizações: Práticas de sujeição e iniciativas público/privadas de emancipação.

O termo organizações aqui tem sentido amplo e, no contexto plural apresentado, não faz referência ao estudo específico das teorias das organizações, mas remete a perspectivas de análise paradigmáticas ao tratar de descontinuidades sistêmicas (Manzini). Praticas de sujeição remete às relações de controle, como na regulação da sociedade pelo mercado (Foucault) quando se discute o homo economicus empresário de si. E por fim, a emancipação é fruto do pensamento de Marx e do seu diagnóstico de época, sendo o primeiro princípio fundamental da teoria crítica, discutida por autores Horkheimer, Adorno, Habermas, Honneth e Fraser (para citar alguns). O título, portanto, orienta uma leitura por diferentes abordagens paradigmáticas, de modo que leva a constatação da exaustão do modelo de racionalidade hegemônico funcionalista, e orienta a busca por uma racionalidade orientada para a superação das mazelas do nosso tempo.
Para se proceder à análise dos textos propostos, é necessário entender minimamente sobre a construção histórica que teve como resultado a atual lente hegemônica de percepção da realidade. Do iluminismo surge a razão e dá-se início à modernidade, e surge a partir daí a análise do modernismo crítico (Kant) e do sistêmico (Comte). A racionalização funcionalista surge do modernismo sistêmico, e sua busca por controle sobre as complexidades sociais. O desenvolvimento tecnológico, a ciência, as organizações modernas permitiram a ascensão do paradigma hegemônico funcionalista e das demais teorias organizacionais a ele relacionadas.
O modernismo crítico ficou apagado frente ao funcionalismo, embora viesse a ser objeto de estudo de Marx e de sua teoria crítica e sua abordagem radical produtivista da realidade. Os estudos críticos foram desenvolvidos por Adorno, Hokheimer, e ainda, por Habermas em sua racionalidade comunicativa (escola de Frankfurt).
Embora rivais, o modernismo sistêmico e o crítico compartilham a crença num mundo intrinsecamente lógico e com significado, constituído pela Razão ou fundação universal. E é aí que repousa a contraposição do pós-modernismo a ambos, tanto ao sistêmico quanto ao crítico.
No pós-modernismo, que adota princípios da teoria quântica e da microfísica que redefinem os sistemas previsíveis, há uma busca por instabilidades, e um retorno à paixão, aos impulsos além do controle, renegados no século anterior aos romances literários. A hegemonia funcionalista é considerada normal, é uma racionalidade criada para esconder as contradições imanentes da realidade, que ao ser desconstruída revela estruturas artificiais. Ao contrário do discurso sistemático, o discurso edificante busca o extraordinário dentro do comum/normal. Nietszche diz que as forças ativa e reativa são focadas no corpo, ele é autorreferencial, e ainda segundo Foucault, o corpo é lugar da paixão, desejos, é um volume em perpétua desintegração.
Na abordagem de Morgan e Burrell sobre a inter-relação entre os paradigmas, divide-se em quadrantes algumas lentes da realidade: Objetiva, Subjetiva, Regulação e Mudança Radical. São os paradigmas: humanista radical, estruturalista radical, interpretativista e funcionalista.
Agora sim, com uma base teórica sobre os paradigmas, pode se analisar os três textos apresentados quanto a sua relação com realidade posta e os problemas que surgem desta.
Em O banqueiro dos pobres, o autor parte de uma discussão sobre a estrutura burocrática do Estado e da atuação deste no socorro aos excluídos do capitalismo. Embora critique o capitalismo, afirma não ser liberal (no sentido econômico), mas ao mesmo tempo acredita numa economia global de livre mercado e na participação dela usando das ferramentas capitalistas. Nota-se que falta ao autor profundidade teórica: ele adota uma postura reformista ao tratar do programa de microcrédito criado por ele; faz palanque ao trabalho autônomo, consoante com o pensamento neoliberal ao rechaçar o trabalho assalariado, tirando do estado e do mercado grande parte da responsabilidade nas desigualdades sociais. É adepto do Estado mínimo, reconhece apenas que o capitalismo falhou em dividir o “bolo”, deixando de fora a parte de que além de não cumprir com a distribuição de riquezas, ainda acentuou as desigualdades sociais ao precarizar o trabalho, e explorar os recursos naturais.
A iniciativa de combater a pobreza com microcrédito de Yunus é sim um bom exemplo de Inovação Social: opõe-se à lógica funcionalista da educação formal ao reconhecer a validade do que chama de “dom inato”, o que nos permite remeter à concepção de saberes construídos no e pelo trabalho Barato (2008). O microcrédito possibilita uma transformação da realidade dos financiados: geração de renda, autonomia das mulheres, integração ao tecido social, planejamento familiar e maiores níveis de educação. Isso tudo leva à emancipação, à quebra dos círculos de pobreza e miséria, resultando em um potencial transformador em escala.
A crítica se faz não ao potencial emancipatório e transformador da Inovação Social, mas à manutenção do status quo o autor assume. Não há ruptura com as estruturas condicionantes da realidade, o que faz da iniciativa um recurso paliativo num cenário que perpetua estados de exclusão incompatíveis com o desenvolvimento científico e tecnológico da humanidade.
-A iniciativa tem características disruptivas que remetem à teoria crítica e portanto a Paradigma do Humanismo Radical, mas em seu discurso, o autor se posiciona muito próximo a estruturas hegemônico-funcionalistas. A metanarrativa, conforme Reed (2007), se posiciona ao lado do mercado, e tem como problemática principal a liberdade e como contexto o capitalismo neoliberal.
Manzini parte de uma perspectiva pessimista quanto aos rumos da humanidade que insiste numa lógica de consumo insustentável. Constata os paradoxos do capitalismo que sempre se supera a custos humanos e ambientais altíssimos. Propõe uma mudança radical, uma descontinuidade sistêmica, como solução, adotando para isso um paradigma democrático de inovação social, para uma profunda e lenta transformação por meio de processos de aprendizagem social.
Vê-se semelhança com a sociologia da mudança radical, nos moldes do humanismo radical, de modo a superar uma dominação ideológica orientada para o consumo. Prevê, também, sustentabilidade e autonomia, em uma metanarrativa de justiça, tendo como problemática principal a participação, em um contexto de democrático participativo. Surge de forma reativa rica em debates, e conforme Marsden e Townley, contraria a lógica Positivista, objetivista, realista e voltada para a eficácia e para a eficiência onde há um processo de acumulação, aproximando-se portanto da Teoria organizacional contranormal.

PORÉM...

Seria essa a lógica se proposta de ruptura de Manzini tão radical, a ponto de, em busca do desenvolvimento sustentável, entrar em conflito a própria teoria crítica, seja ela produtivista, comunicativa ou referente à identidade, não cobrindo por completo a dimensão sustentável. Está acontecendo, segundo Boa ventura Santos além de uma transição paradigmática, uma crise das sociedades, que tende a causar rupturas profundas no tecido social.
Para isso, aos paradigmas atuais faltam mecanismos complexos, plurais e dinâmicos, sendo então necessário um novo paradigma, que ele chama de “emergente”.

“O paradigma emergente constitui-se em redor de temas que em dado momento são adotados por comunidades interpretativas concretas como projetos de vida locais, sejam eles reconstituir a história de um lugar, manter um espaço verde, construir um computador adequado às necessidades locais, fazer baixar a taxa de mortalidade infantil, inventar um novo instrumento musical, erradicar uma doença (...). Essa nova ciência é tradutora, incentiva os conceitos e as teorias locais a emigrarem para outros lugares – conhecimento sobre as condições de possibilidade, pluralidade metodológica. O conhecimento pós-moderno, sendo total, não é determinístico, sendo local, não é descritivista. É um conhecimento sobre as condições de possibilidades. As condições de possibilidades da ação humana projetada no mundo a partir de um espaço-tempo local.”
- O paradigma emergente de Santos parece casar com a transformação radical da realidade à partir do modelo de inovações sociais através do processo de aprendizagem social.
Ambrózio vai tratar de Biopoder e Governamentalidade, trazidos por Foucault, sendo este um expoente da abordagem pós-moderna de análise da realidade. Há uma dura crítica às relações de controle contemporâneas ao comparar a docilidade do sujeito frente ao soberano desconhecido da metáfora de Kafka. Foucault dizia q o corpo é crítico em sociedade disciplinar. Biopoder é exercício de poder sobre a vida, ampliando sua potencia produtiva docilidade e regulação. Mas as formas de disciplina sobre o corpo foram superadas por uma sociedade de controle, que emergiu junto com o sistema neoliberal: há intervenção maciça do Estado na Sociedade civil, garantindo a liberdade do mercado e o controle contínuo e fluido do indivíduo. A figura sem rosto que comanda a realidade se perpetua ao estimular a competição entre sujeitos, tornando-os empresas, capitalizando o homem, que cegamente, como os operário chineses, obedecem ao deus mercado. Foucault resume-se na problemática do controle, em uma metanarrativa do conhecimento no contexto pós-moderno.

Referências

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